sábado, 10 de janeiro de 2009

Amor com Paixão


Eu gosto dos carnívoros. Beijo molhado, abraço apertado, cabelo bagunçado, mordida no pescoço. Calor. Vontade de apertar corpo contra corpo até se fundirem num só, sentir na pele o arrepio do outro, ficar junto pra sentir as pernas bambas por mais tempo. Mais beijo. Brutalidade natural e quente. Paixão ardente domina as criaturas que ilustram esse quadro, obsessão pela carne. O calor extático lhe foge à boca e encontra obstáculo na outra boca, lhe esquenta a pele como fogo. Não há resposta, ninguém as procura. É um exercício carnal! Mas, não é nada que o amor não possa sentir, aliás, amor com paixão tem um gosto diferente... um gosto excêntrico! Gosto de proibido, gosto de coisa fora do lugar, gosto de paixão! O suor escorre, o beijo é sem fim!

domingo, 4 de janeiro de 2009

Agora, em Silêncio!




Sabe, acho que ninguém vai entender. Ou, se entender, não vai aprovar. Existe em nossa época um paradigma que diz: enquanto você me der carinho e cuidar de mim, eu vou amar você. Então, eu troco o meu amor por um punhado de carinho e boas ações. Isso a gente aprende desde a infância: se você for um bom menino, eu vou lhe dar um chocolate. Parece que ninguém é amado simplesmente pelo que é, por existir no mundo do jeito que for, mas pelo que faz em troca desse amor. E quando alguém, por alguma razão muito íntima, pára de dar carinho e corre para bem longe de você? A maioria das pessoas aperta um botão de desliga-amor, acionado pelo medo e sentimentos de abandono, e corre em direção aos braços mais quentinhos. E a história se repete: enquanto você fizer coisas por mim ou for assim eu vou amar você e ficar ao seu lado porque eu tenho de me amar em primeiro lugar. Mas que espécie de amor é esse? Na minha opinião, é um amor que não serve nem a si mesmo e nem ao outro.
Eu também tenho medo, dragões aterrorizantes que atacam de quando em quando, mas eu não acredito em nada disso. Quando eu saí de uma importante depressão, eu disse a mim mesma que o mundo no qual eu acreditava haveria de existir em algum lugar do planeta! Haveria de existir! Nem que este lugar fosse apenas dentro de mim... Mesmo que ele não existisse mais em canto algum, se eu, pelo menos, pudesse construi-lo em mim, como um templo das coisas mais bonitas que eu acredito, o mundo seria sim bonito e doce, o mundo seria cheio de amor e eu nunca mais ficaria doente. E, nesse mundo, ninguém precisa trocar amor por coisa alguma porque ele brota sozinho entre os dedos da mão e se alimenta do respirar, do contemplar o céu, do fechar os olhos na ventania e abrir os braços antes da chuva. Nesse mundo, as pessoas nunca se abandonam. Elas nunca vão embora porque a gente não foi um bom menino. Ou porque a gente ficou com os braços tão fraquinhos que não consegue mais abraçar e estar perto. Mesmo quando o outro vai embora, a gente não vai. A gente fica e faz um jardim, um banquinho cheio de almofadas coloridas e pede aos passarinhos não sujarem ali porque aquele é o banquinho do nosso amor, o nosso grande amigo. Para que ele saiba que, em qualquer tempo, em qualquer lugar, daqui a quantos anos, não sei, ele pode simplesmente voltar, sem mais explicações, para olhar o céu de mãos dadas. No mundo de cá, as relações se dão na superfície. Eu fico sobre uma pedra no rio e, enquanto você estiver na outra, saudável, amoroso e alto-astral, nós nos amamos. Se você afundar, eu não mergulho para te dar a mão, eu pulo para outra pedra e começo outra relação superficial. Mas o que pode ser mais arrebatador nesse mundo do que o encontro entre duas pessoas? Para mim, reside aí todo o mistério da vida, a intenção mais genuína de um abraço. Encontrar alguém para encostar a ponta dos dedos no fundo do rio - é o máximo de encontro que pode existir, não mais que isso, nem mesmo no sexo. Encostar a ponta dos dedos no fundo do rio. E isso não é nada fácil, porque existem os dragões do abandono querendo, a todo instante, abocanhar os nossos braços e o nosso juízo. Mas se eu não atravessar isso agora, a minha arte será uma grande mentira, as minhas histórias de amor serão todas mentiras, o meu livrinho será uma grande mentira porque neles o que impera mais que tudo é a lealdade, feito um Sancho Pança atrás do seu louco Dom Quixote, é a certeza de existir um lugar, em algum canto do mundo, onde a gente é acolhido por um grande amigo. É por isso que eu tenho de ir. E porque eu não quero passar a minha existência pulando de pedra em pedra, tomando atalhos de relações humanas. Eu vou mergulhar com o meu amigo, ainda que eu tenha de ficar em silêncio, a cem metros de distância. Eu e o meu boneco de infância, porque no meu mundo a gente não abandona sequer os bonecos que foram nossos amigos um dia. Agora em silêncio, tentando ensinar dragões a nadar.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Recíproca da Borboleta


Pois então que eu acho mesmo que a gente nasce e passa por essa vida, seja em breve ou longa empreitada, por certos propósitos muito particularmente relevantes. Vejam-me vocês, eu que lhes falo agora, nascida de um galho de pé de carambola em época de frutos explodindo, polpudos e muito amarelos. Nasci prima dessas frutas, nasci com a mesma cor e mesma vontade de ser estrela. Mas ao invés daquela pose gloriosa de cinco quinas das carambolas enormes, assaltou-me a descoberta de que eu podia erguer-me acima da copa da grande árvore, aproximando-me ainda mais que minhas primas de nossos intuitos estelares.

A descoberta foi tão boa que minha vida agora tinha esse sentido: mancomunar-me com o vento vadio e sair voando por aí. Mas bicho que voa, não sei se lhes cabe saber, não fica bitolado em intuitos pequenos, não. E logo o vento boêmio começou a trazer notícias de terras longínquas, além de que à tardinha, nos fios das redondezas, amontoavam-se uns pardais cheios de história. Convenhamos que uma boa parte do que aqueles bichos despeitados piavam devia ser bem um bocado de invenções, eles que queriam me matar de inveja de seus vôos mais altos, mais distantes. Problema não havia. Por mais audacioso que lhes fosse o vôo, quem tinha a cor do sol nas asas, sem nem precisar chegar tão perto, era eu. Mas, desavenças à parte, começou a despontar em mim uma vontade pungente de lonjuras, e um dia acabei levando prosa mais longa com o vento e saí voando de um jeito que nem sei explicar, que não tinha contagem de tempo. Era acima o cortinado azul e abaixo aquele tapete verde, verde, verde, cinza... cinza? Estaquei dando baita susto no vento, fui descendo em espiral tremelicante, ansiosa feito o diabo.

Era uma selva de pedra, meu deus. Com umas centenas de sequóias de concreto e um formigueiro de gente, circulando em seu fluxo constante, massa homogênea de quereres pré-definidos. E é exatamente aqui que isso tudo que lhes disse vira pura conversa fiada, pois se cumpriu meu propósito particularmente relevante: mergulhei naquele mar de gente e rocei nos cabelos de um garoto, que, ao notar-me, aborreceu todas as outras pessoas, obrigadas a desviarem-se daquela pecinha subversiva atrapalhando o fluxo. Ah, mas que grande epifania aquela troca, e eu bailava no feixe invisível de seu olhar, encimado por sobrancelhas fartas, unidas, expressivas.

O que fazia ali, sozinho? De onde viera? Nada sei sobre pessoas, apenas que aquele exemplar estava muito meu, e que aqueles modos de me olhar me faziam muito dele. Garoto, diga a verdade pra mim, confessa que você na verdade é todo assim feito de jatobá, alma de madeira nobre, porque só isso explica o meu desejo doido de me virar em pupa de novo, só pra me dependurar atrás da sua orelha e lá ficar. Ficar lá protegendo feito amuleto, pra sempre.

Mas acontece que pra sempre de borboleta é curto demais, e gente tem uma mania meio irritante de encontrar conhecido na rua e o despertar com trivialidades. Além disso, acho que todo mundo sabe que destino adora dramatizar o ato, e minha poeirinha final de vida se esvaía no meio de seu “tudo bem” devolvido.

Saiba que foi de propósito que subi até confundir-me com o sol. Naquele dia eu não cabia mais em mim, nem em palma de mão alguma: eu era estrela de quinta grandeza, e você me orbitava feito planeta errante buscando calor. Adeus, adeus, meu querido garoto.