sexta-feira, 2 de julho de 2010

Prazer Pela Metade



Não há nada que me deixe mais frustrada do que pedir sorvete de
sobremesa, contar os minutos até ele chegar e aí ver o garçom colocar na minha
frente uma bolinha minúscula do meu sorvete preferido - uma só. Quanto mais
sofisticado o restaurante, menor a porção da sobremesa. Aí a vontade
que dá é de passar numa loja de conveniência, comprar um litro de sorvete bem
cremoso e saborear em casa com direito a repetir quantas vezes a gente
quiser, sem pensar em calorias, boas maneiras ou moderação.

O sorvete é só um exemplo do que tem sido nosso cotidiano. A vida anda
cheia de meias porções, de prazeres meia-boca, de aventuras pela metade. A
gente sai pra jantar, mas come pouco. Vai à festa de casamento, mas resiste
aos bombons. Conquista a chamada liberdade sexual, mas tem que fingir que é
difícil (a imensa maioria das mulheres continua com pavor de ser
rotulada de 'fácil'). Adora tomar um banho demorado, mas se contém pra não
desperdiçar os recursos do planeta. Quer beijar aquele cara 20 anos mais novo, mas
tem medo de fazer papel ridículo. Tem vontade de ficar em casa vendo um
DVD, esparramada no sofá, mas se obriga a ir malhar. E por aí vai.

Tantos deveres, tanta preocupação em 'acertar', tanto empenho em
passar na vida sem pegar recuperação... Aí a vida vai ficando sem tempero,
politicamente correta e existencialmente sem-graça, enquanto a gente
vai ficando melancolicamente sem tesão. Às vezes, dá vontade de fazer tudo
'errado' - deixar de lado a régua, o compasso, a bússola, a balança e
os 10 mandamentos. Ser ridícula, inadequada, incoerente e não estar nem aí
pro que dizem e o que pensam a nosso respeito. Recusar prazeres incompletos e
meias porções.

Até Santo Agostinho, que foi santo, uma vez se rebelou e disse uma
frase mais ou menos assim: 'Deus, dai-me continência e castidade, mas não
agora'.
Nós, que não aspiramos à santidade e estamos aqui de passagem,
podemos (devemos?) desejar várias bolas de sorvete, bombons de muitos sabores,
vários beijos bem dados, a água batendo sem pressa no corpo, o
coração saciado. Um dia a gente cria juízo. Um dia. Não tem que ser agora. Por
isso, garçom, por favor, me traga: cinco bolas de sorvete de coco, um sofá
pra eu ver 10 episódios do 'Law and Order', uma caixa de trufas bem macias e o
Clive Owen embrulhado pra presente - não necessariamente nessa ordem.
Depois a gente vê como é que faz pra consertar o estrago.